O descompromisso do Legislativo brasileiro com as mulheres

De uma forma geral, há um descompromisso ou, no mínimo, uma falta de prioridade do Estado com as questões de saúde reprodutiva das mulheres brasileiras, especialmente no que se refere aos processos de abortamento. No caso do Executivo, por exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) não garante a atenção ao aborto legal para todas aquelas que precisam do serviço. E, no caso da minoria que acessa os poucos hospitais que oferece este serviço, há ainda a penalização sutil e preconceituosa por parte dos profissionais de saúde. O Judiciário vem destacando políticas persecutórias ao invés de desenvolver políticas de segurança de qualidade. Às mulheres, as leis reservam apenas uma resposta: entre um e três anos de cadeia. E o Legislativo vem desfilando uma série de decisões e atitudes que tendem a reforçar esta penalização. O Projeto 1135/1991, que tramita há 17 anos na Câmara dos Deputados, foi preterido pelos deputados na votação que aconteceu no último dia 7 de maio, na Comissão de Seguridade Social e Família. Agora, o Projeto seguiu para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), onde terá mérito, constitucionalidade e judicialidade avaliados, e depois para o Plenário da Casa. “Visto que uma em cada 15 brasileiras já fez aborto e que a criminalização nunca foi solução para o problema, não é pelo fato da CSSF ter decidido por manter tal situação que a questão está esgotada” afirma a diretora do CFEMEA, Guacira César de Oliveira. Pelo contrário, segundo ela, há disposição para lutar e ampliar o apoio da sociedade para que o aborto seja tratado não no âmbito do direito penal, mas sim na esfera da saúde pública e dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres.
Enquanto o projeto era enviado para a CCJC, uma audiência foi realizada em outra comissão, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). No mês de maio ainda, seu presidente, Pompeu de Mattos (PDT/RS), havia acolhido uma demanda da Bancada Feminina para averiguar a situação de indiciamento em massa de 10.000 mulheres que supostamente haviam realizado abortos na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Matos e outros parlamentares foram até o Estado para entender melhor esta realidade, conversar com as partes envolvidas e estabelecer um espaço de debate. Na volta, marcou uma audiência pública na comissão que preside para o dia 18 de junho e chamou o juiz e o promotor sulmatogrossenses, a ministra Nilcéia Freire, representantes do Ministério da Saúde e do movimento de mulheres/feministas. (...) Enquanto alguns parlamentares lançam mão de uma série de manobras anti-democráticas para continuar criminalizando o aborto (e, se possível, endurecer ainda mais a pena à prática no país), as mulheres brasileiras continuam a precisar da prática em seus cotidianos. (...) Todos os anos, cerca de 1,5 milhão de brasileiras interrompem suas gestações de forma insegura. Para abortar, parte delas utiliza medicamentos para provocar contrações uterinas, outras recorrem a clínicas clandestinas, ou ainda sozinhas introduzem em seus úteros instrumentos cortantes. Longe dos hospitais e serviços de saúde, resta-lhes o risco de infecções, hemorragias e esterilidade. Mortes, prisões e devassas têm acometido as mulheres que, por uma razão ou outra, tiveram que optar pelo aborto. Uma camisinha que furou, uma pílula anticoncepcional que não foi disponibilizado pelo posto de saúde, um risco de saúde ou de vida, uma gravidez solitária, um opção por não ter filhos – vários são os motivos, mas nenhum deles justifica perseguir, punir, prender e matar estas mulheres. E é essa a realidade que foi ignorada pela CSSF, ao votar por continuar criminalizando o aborto. As votações no Congresso não podem estar desconectadas da vida dos brasileiros. O Legislativo deve continuar como um aliado para proteger as mulheres e, nesse momento histórico, quando o PL 1135 chega à CCJC, estes 126 deputad@s titulares e suplentes terão toda chance de reforçar essa proteção ao refletir e aprovar este projeto. (O texto completo pode ser encontrado em Jornal on line CFemea nº 156 - www.cfemea.org.br).

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